Um texto simples _ não tão original_ e que é uma mistura de fontes de estudo, e de "conclusões minhas" (fui eu, na verdade, quem o escreveu.).
Não era mesmo a intenção ser um texto acadêmico, mas somente uma pesquisa, o que me deixa livre pra "juntar/misturar" as informações.
Não era mesmo a intenção ser um texto acadêmico, mas somente uma pesquisa, o que me deixa livre pra "juntar/misturar" as informações.
Noção de “justiça” em Platão
Resumo: A intenção do presente texto é abordar o conceito de “justiça” em Platão à partir dos diálogos que marcam o Livro I e parte do Livro II d’A República’ e demonstrar como,neste fragmento do texto escolhido, a apreensão da noção de “justiça” deve passar por uma necessária relação com a vida na pólis grega, tendo esta uma ligação estritamente inseparável com a constituição da alma humana. Trata-se de entender a justaposição das coisas na polis a partir da elucidação do modo constitutivo da psiké.
È sinal de extrema sensibilidade e respeito à tradição, abordar a noção de “justiça” no âmbito da Filosofia,prestando à um de seus maiores teóricos ,lugar na compreensão de um dos conceitos de maior relevância na antiguidade clássica. Após o momento histórico em que a Filosofia debruçou-se sobre questões referentes ao cosmo e à origem das coisas, dos deuses e de todo ser criado, há _ sem dúvida pela influência do momento crítico que o Estado Grego atravessa_ uma reviravolta no modo como o homem grego percebe e concebe o mundo, e isto desemboca numa nova empresa filosófica: a de questionar a relação do homem consigo,com as coisas, com outros homens, e especialmente, com a polis (cidade) grega.
À partir deste “apocalipse” grego, nasce uma preocupação (antes rejeitada) de questionar o papel da família,da educação, da constituição do indivíduo,e por fim de um ideal de coletividade ;conforme aponta Jean-Pierre Vernant em seu “As origens do Pensamento Grego”. É um momento histórico-filosófico que poderia ser denominado, guardadas as suas devidas proporções de, período antropofilosófico.
Torna-se imprescindível entender o momento histórico em que o pensamento foi gestado ,à fim de se apreender com maior propriedade a abrangência que alguns de seus principais questionamentos alcançam.
E é,portanto, nesse contexto que destacamos,dentre alguns outros que poderiam ser citados, a figura de Platão e sua obra clássica, “ A República” . Sendo assim, apontaremos ,em “linhas gerais” alguns pontos importantes do diálogo presente no Livro I a fim de podermos concluir o propósito deste empreendimento : compreender a noção de “justiça” em Platão, e por quais caminhos se faz necessário passar até chegarmos à um entendimento aproximado do mesmo.
No livro I d ‘A República”,especialmente na figura de seus “personagens” aparecem claramente 3 (três) conceitos básicos de “justiça”. Numa discussão _tradicional “hobbie’ dos gregos_ com Sócrates, o velho Céfalo,seu filho Polemarco e ,o polêmico Trasímaco, reviram-se ante a refutação socrática na tentativa de estabelecer o conceito apropriado de justiça.
A primeira, apresentada pelo idoso e sábio Céfalo, consiste numa noção concreta de justiça: a justiça consistiria em "dizer a verdade e em restituir aquilo que se tomou de alguém” (331d). Trata-se então de um conceito que espelha não propriamente uma aproximação crítica ao conceito de justiça, não uma sua circunscrição a partir da meditação filosófica em torno daquilo que é justo por natureza, mas a noção de justiça que era própria dos antepassados e da sociedade grega primordial e arquetípica, cuja corrupção não pode deixar de conduzir justamente à meditação filosófica sobre a justiça. Sua noção aquedou-se facilmente diante de uma simples refutação socrática: “seria justo retribuir ao amigo em estado de insanidade, armas que o mesmo dera para que guardasse enquanto ainda estava são do juízo?”. Cumprir a justiça segundo a assertiva de Céfalo , poderia ser danoso à outras pessoas. Nesse primeiro instante da discussão, em que os ânimos ainda não se conflitam, já se percebe o direcionamento que Platão (no uso de seu “personagem” habitual, Sócrates) dará à melhor compreensão do conceito de “justiça” : a que têm o fator externo ao indivíduo,o “outro”.
A segunda é apresentada por Polemarco, filho de Céfalo, e consiste em defender que a justiça trata de fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (332d). A aproximação ao conceito de justiça é aqui mais abstrata, abordando-a como uma proporção em que se dá a cada um aquilo que é devido. É o conceito sendo entendido com a “justa retribuição ao que se recebe”: justiça retributiva. Na proposição socrática, Polemarco também é desarmado, pois “homem justo não degrada o homem porque, precisamente, a justiça é uma virtude e o homem justo é um homem virtuoso”. Segundo Sócrates, quem faz o mal ao inimigo acreditando estar aplicando a justiça, está em verdade, tornando-se pior, pois; ser justo, implica em agir com justiça,o quem nem sempre é aplicável ao inimigo como justa retribuição;
Finalmente, a terceira é apresentada pelo sofista Trasímaco, para quem a justiça não é outra coisa senão a “conveniência do mais forte”. Nesta, a virtude ou excelência (aretê) era adquirida essencialmente através da superação dos limites próprios - neste sentido: através do tornar-se mais forte - em confronto com o outro. Para Trasímaco, o ser "mais forte", ou seja, a marca da excelência ou da virtude heróica, consiste na capacidade para manipular os outros através das palavras e, neste sentido, para fazer passar o seu interesse próprio como o interesse da pólis no seu todo.
À partir da entrada de Trasímaco na querela, as questões ganham novo contorno. “Os fortes governam os fracos” “(…) …existe uma desigualdade natural : alguns nascem mais fortes (o que implica em governar,que é o mesmo que decidir o que é justo) ,outros nascem para serem governados (cumpridores da justiça : dar ao governador as condições de ter em si mesmo a convergência dos interesses da pólis). Essa é a noção de justiça que ,talvez, tivesse maior aplicabilidade em dias como os nossos,pois o argumento posto não é que tal “delegação” para aplicar a justiça seja algo usurpado,mas antes, direito natural, herança da natureza. Logo, justiça é o que o mais forte (que em Trasímaco também é ,o mais esclarecido, sábio, inteligente…) decide por justo.
É óbvio que tal compreensão não é justificável,e nem ao menos veraz, pois é notório que ,o modelo de “justiça” entendido em Trasímaco revela fragilidade no que concerne à finalidade de seu “ideal”: quase sempre, na tentativa de aplicar sua noção de “justiça” ,e isso dando ordens aos governados para que tudo convergisse à sua própria intencionalidade ,era possível que à partir de um comando enganoso de sua parte,seus súditos fariam voltar contra ele ,em obediência, seu próprio mal.
Todo o caminho percorrido por Sócrates no diálogo presente no Livro I d ‘ A República’ ,refutando cada conceito,desde a “justiça” de herança arquetípica de Céfalo; à noção de “justiça retributiva”,de Polemarco; ao entendimento de que a “justiça” seja a “conveniência do mais forte,por natureza,de Trasímaco; desemboca no ideal platônico de _ e esse é o ponto culminante do texto_ justiça como arte política.
Para tal, ele distingue a política como uma technê, estabelecendo uma analogia entre a política e a medicina. Se a medicina é uma technê, ela o é em função do objeto sobre o qual ela se exerce: a medicina só o é se provocar a saúde, sendo o interesse e a recompensa que o médico retirará do exercício da sua tecnhê algo apenas adjacente a esse mesmo exercício. Assim, tal como o médico é médico em função da saúde que provocou no doente, assim também o chefe político só o é através do efeito que na pólis tem a sua ação, e não através do seu interesse e das compensações que ele retira dessa mesma ação. Neste sentido, segundo Sócrates, a justiça implicaria em uma arte política que consistiria na melhoria do bem de todos e não de alguns.
Temos então o conceito de justiça apreendido por meio de duas noções : a justiça é uma aretê (virtude), provocando o melhoramento dos homens; e esta virtude está ligada à arte ( tecnhê) política (tecnhê politikê).
Se a justiça é uma aretê (virtude) ,e com isso inerente ao indivíduo, tem-se então o último momento do diálogo: a justiça pode ser uma ampliação do que já é no indivíduo;ou seja, o que é no indivíduo ,o pode ser na coletividade, na pólis.
Tendo chegado a conclusão de que a justiça é inerente ao indivíduo, que pode ser desenvolvida como técnica ,visando seu fim na pólis (técnica política), o que se tem agora é a apropriação do entendimento que se possui acerca da constituição da alma humana, a fim de se entender a aplicabilidade que a justiça teria na pólis, assim como o é no indivíduo.
Para isso, propõe-se construir uma pólis de forma a depois compará-la com a estrutura da alma humana, partindo da analogia segundo a qual a alma humana é uma micropolis (pequena cidade) e a pólis um macroanthropos (homem ampliado).
Platão distingue então três estratos humanos que constituem uma polis .Cada um destes elementos deve ter uma educação própria, de modo a desenvolver uma aretê (virtude) específica, educação essa que se articula com o papel distinto que cada um tem na organização da pólis:
* em primeiro lugar temos os produtores, que providenciam a subsistência da pólis. São eles os agricultores, artesãos, etc. Os produtores têm como virtude própria a temperança (sophrosynê);* sendo que a pólis é uma ordem que ultrapassa pequenas ordens que a incluem, elas precisam, antes de mais, de se defender. Neste sentido, temos os guardiões. E a virtude a ser desenvolvida pelos guardiões é um meio-termo entre a agressividade excessiva e uma excessiva brandura; comparados a um cão, estes desenvolvem a coragem (andreia), através de duas atividades essenciais à sua formação: a agilidade física na ginástica, para evitar demasiada brandura; e a música, de modo a temperar a agressividade.* o último elemento ,os chefes, têm de discernir o que é que cabe a cada um e qual a sua natureza. Um tal elemento deve cultivar uma virtude de natureza sapiencial, uma virtude intelectual ligada à sabedoria ( sophia ) mas de caráter prático, que se exprime na prudência (phronesis). Em que é que estas distinções se relevam no homem? Vejamos então os equivalentes na alma humana:
*correspondendo aos produtores, existe na alma humana um elemento vegetativo e apetitivo.*aos guardiões, corresponde uma alma irascível, um ímpeto anímico, a que os gregos chamaram thýmos.*aos chefes, corresponde a parte intelectiva da alma.
Em conclusão, temos a identificação tripartida que Platão estabelece através da polis e da alma culminando nas virtudes de cada um:
Produtores _ Alma vegetativa – Temperança (sophrosynê);
Guardiões – Alma irascível – Coragem (andreia);
Chefes – Alma intelectiva – Prudência (phronesis).
Desse modo, percebemos que, por trás de um “despretensioso” diálogo estava presente umas das maiores contribuições que a Antigüidade Clássica nos legaria : um sistema filosófico em que a noção de “justiça” se afirma em uma estrita ligação com o estabelecimento da cidade (pólis) : pois justiça só pode ser entendida à partir do exercício da virtude (areté,esta inerente a cada indivíduo) ,evocando a idéia de justaposição dos indivíduos que, na utilização de sua técnica (tecnhé) específica ,contribuem para o grande ideal: justiça (dikaiosyne) como composição devidamente estruturada das partes, visando o estabelecimento do bem comum, da pólis. Como o é no indivíduo, que seja na pólis.
Resumo: A intenção do presente texto é abordar o conceito de “justiça” em Platão à partir dos diálogos que marcam o Livro I e parte do Livro II d’A República’ e demonstrar como,neste fragmento do texto escolhido, a apreensão da noção de “justiça” deve passar por uma necessária relação com a vida na pólis grega, tendo esta uma ligação estritamente inseparável com a constituição da alma humana. Trata-se de entender a justaposição das coisas na polis a partir da elucidação do modo constitutivo da psiké.
È sinal de extrema sensibilidade e respeito à tradição, abordar a noção de “justiça” no âmbito da Filosofia,prestando à um de seus maiores teóricos ,lugar na compreensão de um dos conceitos de maior relevância na antiguidade clássica. Após o momento histórico em que a Filosofia debruçou-se sobre questões referentes ao cosmo e à origem das coisas, dos deuses e de todo ser criado, há _ sem dúvida pela influência do momento crítico que o Estado Grego atravessa_ uma reviravolta no modo como o homem grego percebe e concebe o mundo, e isto desemboca numa nova empresa filosófica: a de questionar a relação do homem consigo,com as coisas, com outros homens, e especialmente, com a polis (cidade) grega.
À partir deste “apocalipse” grego, nasce uma preocupação (antes rejeitada) de questionar o papel da família,da educação, da constituição do indivíduo,e por fim de um ideal de coletividade ;conforme aponta Jean-Pierre Vernant em seu “As origens do Pensamento Grego”. É um momento histórico-filosófico que poderia ser denominado, guardadas as suas devidas proporções de, período antropofilosófico.
Torna-se imprescindível entender o momento histórico em que o pensamento foi gestado ,à fim de se apreender com maior propriedade a abrangência que alguns de seus principais questionamentos alcançam.
E é,portanto, nesse contexto que destacamos,dentre alguns outros que poderiam ser citados, a figura de Platão e sua obra clássica, “ A República” . Sendo assim, apontaremos ,em “linhas gerais” alguns pontos importantes do diálogo presente no Livro I a fim de podermos concluir o propósito deste empreendimento : compreender a noção de “justiça” em Platão, e por quais caminhos se faz necessário passar até chegarmos à um entendimento aproximado do mesmo.
No livro I d ‘A República”,especialmente na figura de seus “personagens” aparecem claramente 3 (três) conceitos básicos de “justiça”. Numa discussão _tradicional “hobbie’ dos gregos_ com Sócrates, o velho Céfalo,seu filho Polemarco e ,o polêmico Trasímaco, reviram-se ante a refutação socrática na tentativa de estabelecer o conceito apropriado de justiça.
A primeira, apresentada pelo idoso e sábio Céfalo, consiste numa noção concreta de justiça: a justiça consistiria em "dizer a verdade e em restituir aquilo que se tomou de alguém” (331d). Trata-se então de um conceito que espelha não propriamente uma aproximação crítica ao conceito de justiça, não uma sua circunscrição a partir da meditação filosófica em torno daquilo que é justo por natureza, mas a noção de justiça que era própria dos antepassados e da sociedade grega primordial e arquetípica, cuja corrupção não pode deixar de conduzir justamente à meditação filosófica sobre a justiça. Sua noção aquedou-se facilmente diante de uma simples refutação socrática: “seria justo retribuir ao amigo em estado de insanidade, armas que o mesmo dera para que guardasse enquanto ainda estava são do juízo?”. Cumprir a justiça segundo a assertiva de Céfalo , poderia ser danoso à outras pessoas. Nesse primeiro instante da discussão, em que os ânimos ainda não se conflitam, já se percebe o direcionamento que Platão (no uso de seu “personagem” habitual, Sócrates) dará à melhor compreensão do conceito de “justiça” : a que têm o fator externo ao indivíduo,o “outro”.
A segunda é apresentada por Polemarco, filho de Céfalo, e consiste em defender que a justiça trata de fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (332d). A aproximação ao conceito de justiça é aqui mais abstrata, abordando-a como uma proporção em que se dá a cada um aquilo que é devido. É o conceito sendo entendido com a “justa retribuição ao que se recebe”: justiça retributiva. Na proposição socrática, Polemarco também é desarmado, pois “homem justo não degrada o homem porque, precisamente, a justiça é uma virtude e o homem justo é um homem virtuoso”. Segundo Sócrates, quem faz o mal ao inimigo acreditando estar aplicando a justiça, está em verdade, tornando-se pior, pois; ser justo, implica em agir com justiça,o quem nem sempre é aplicável ao inimigo como justa retribuição;
Finalmente, a terceira é apresentada pelo sofista Trasímaco, para quem a justiça não é outra coisa senão a “conveniência do mais forte”. Nesta, a virtude ou excelência (aretê) era adquirida essencialmente através da superação dos limites próprios - neste sentido: através do tornar-se mais forte - em confronto com o outro. Para Trasímaco, o ser "mais forte", ou seja, a marca da excelência ou da virtude heróica, consiste na capacidade para manipular os outros através das palavras e, neste sentido, para fazer passar o seu interesse próprio como o interesse da pólis no seu todo.
À partir da entrada de Trasímaco na querela, as questões ganham novo contorno. “Os fortes governam os fracos” “(…) …existe uma desigualdade natural : alguns nascem mais fortes (o que implica em governar,que é o mesmo que decidir o que é justo) ,outros nascem para serem governados (cumpridores da justiça : dar ao governador as condições de ter em si mesmo a convergência dos interesses da pólis). Essa é a noção de justiça que ,talvez, tivesse maior aplicabilidade em dias como os nossos,pois o argumento posto não é que tal “delegação” para aplicar a justiça seja algo usurpado,mas antes, direito natural, herança da natureza. Logo, justiça é o que o mais forte (que em Trasímaco também é ,o mais esclarecido, sábio, inteligente…) decide por justo.
É óbvio que tal compreensão não é justificável,e nem ao menos veraz, pois é notório que ,o modelo de “justiça” entendido em Trasímaco revela fragilidade no que concerne à finalidade de seu “ideal”: quase sempre, na tentativa de aplicar sua noção de “justiça” ,e isso dando ordens aos governados para que tudo convergisse à sua própria intencionalidade ,era possível que à partir de um comando enganoso de sua parte,seus súditos fariam voltar contra ele ,em obediência, seu próprio mal.
Todo o caminho percorrido por Sócrates no diálogo presente no Livro I d ‘ A República’ ,refutando cada conceito,desde a “justiça” de herança arquetípica de Céfalo; à noção de “justiça retributiva”,de Polemarco; ao entendimento de que a “justiça” seja a “conveniência do mais forte,por natureza,de Trasímaco; desemboca no ideal platônico de _ e esse é o ponto culminante do texto_ justiça como arte política.
Para tal, ele distingue a política como uma technê, estabelecendo uma analogia entre a política e a medicina. Se a medicina é uma technê, ela o é em função do objeto sobre o qual ela se exerce: a medicina só o é se provocar a saúde, sendo o interesse e a recompensa que o médico retirará do exercício da sua tecnhê algo apenas adjacente a esse mesmo exercício. Assim, tal como o médico é médico em função da saúde que provocou no doente, assim também o chefe político só o é através do efeito que na pólis tem a sua ação, e não através do seu interesse e das compensações que ele retira dessa mesma ação. Neste sentido, segundo Sócrates, a justiça implicaria em uma arte política que consistiria na melhoria do bem de todos e não de alguns.
Temos então o conceito de justiça apreendido por meio de duas noções : a justiça é uma aretê (virtude), provocando o melhoramento dos homens; e esta virtude está ligada à arte ( tecnhê) política (tecnhê politikê).
Se a justiça é uma aretê (virtude) ,e com isso inerente ao indivíduo, tem-se então o último momento do diálogo: a justiça pode ser uma ampliação do que já é no indivíduo;ou seja, o que é no indivíduo ,o pode ser na coletividade, na pólis.
Tendo chegado a conclusão de que a justiça é inerente ao indivíduo, que pode ser desenvolvida como técnica ,visando seu fim na pólis (técnica política), o que se tem agora é a apropriação do entendimento que se possui acerca da constituição da alma humana, a fim de se entender a aplicabilidade que a justiça teria na pólis, assim como o é no indivíduo.
Para isso, propõe-se construir uma pólis de forma a depois compará-la com a estrutura da alma humana, partindo da analogia segundo a qual a alma humana é uma micropolis (pequena cidade) e a pólis um macroanthropos (homem ampliado).
Platão distingue então três estratos humanos que constituem uma polis .Cada um destes elementos deve ter uma educação própria, de modo a desenvolver uma aretê (virtude) específica, educação essa que se articula com o papel distinto que cada um tem na organização da pólis:
* em primeiro lugar temos os produtores, que providenciam a subsistência da pólis. São eles os agricultores, artesãos, etc. Os produtores têm como virtude própria a temperança (sophrosynê);* sendo que a pólis é uma ordem que ultrapassa pequenas ordens que a incluem, elas precisam, antes de mais, de se defender. Neste sentido, temos os guardiões. E a virtude a ser desenvolvida pelos guardiões é um meio-termo entre a agressividade excessiva e uma excessiva brandura; comparados a um cão, estes desenvolvem a coragem (andreia), através de duas atividades essenciais à sua formação: a agilidade física na ginástica, para evitar demasiada brandura; e a música, de modo a temperar a agressividade.* o último elemento ,os chefes, têm de discernir o que é que cabe a cada um e qual a sua natureza. Um tal elemento deve cultivar uma virtude de natureza sapiencial, uma virtude intelectual ligada à sabedoria ( sophia ) mas de caráter prático, que se exprime na prudência (phronesis). Em que é que estas distinções se relevam no homem? Vejamos então os equivalentes na alma humana:
*correspondendo aos produtores, existe na alma humana um elemento vegetativo e apetitivo.*aos guardiões, corresponde uma alma irascível, um ímpeto anímico, a que os gregos chamaram thýmos.*aos chefes, corresponde a parte intelectiva da alma.
Em conclusão, temos a identificação tripartida que Platão estabelece através da polis e da alma culminando nas virtudes de cada um:
Produtores _ Alma vegetativa – Temperança (sophrosynê);
Guardiões – Alma irascível – Coragem (andreia);
Chefes – Alma intelectiva – Prudência (phronesis).
Desse modo, percebemos que, por trás de um “despretensioso” diálogo estava presente umas das maiores contribuições que a Antigüidade Clássica nos legaria : um sistema filosófico em que a noção de “justiça” se afirma em uma estrita ligação com o estabelecimento da cidade (pólis) : pois justiça só pode ser entendida à partir do exercício da virtude (areté,esta inerente a cada indivíduo) ,evocando a idéia de justaposição dos indivíduos que, na utilização de sua técnica (tecnhé) específica ,contribuem para o grande ideal: justiça (dikaiosyne) como composição devidamente estruturada das partes, visando o estabelecimento do bem comum, da pólis. Como o é no indivíduo, que seja na pólis.